Retalhos da Minha Infância
Histórias que vivi e de que ainda me lembro.

sábado, 8 de junho de 2013

O entêrro das bonecas

Nossa avó paterna, sabia fazer, como ninguém, lindas bonecas de pano.
Eram diferentes de todas que existem por aí hoje em dia, pois eram cópias perfeitas de uma criança: isto é, tinham mãos e pés perfeitos, com  os dedinhos separados, cada um com seu tamanho e também ruguinhas e unhas demarcadas. O rosto delas era lindo, com as entradas dos olhos e a saliência perfeita do nariz e boca com os lábios demarcados. Tinham também joelhos e cotovelos, como se fossem naturais. O cabelo era feito de lã de ovelha, bem penteado e transformado em cachos. O enchimento também era de lã de ovelha. Todas eram bem torneadas e pintadas, parecendo com meninos ou meninas de verdade. Junto com elas, sempre vinha  um enxoval de roupinhas.
Vovó paterna, gastava suas horas de lazer de um ano inteiro, confeccionando duas bonecas que nos presenteava no Natal, pois éramos suas únicas netas.
Já tínhamos uma coleção de bonecas de pano, mas não estávamos satisfeitas. Nosso desejo era ter bonecas de loja, feitas naquela época de louça ou celuloide.
No Natal do ano em que tínhamos doze e onze anos, nossa avó nos trouxe, como sempre, duas bonecas de pano, as mais lindas de todas. Disse que estas eram as últimas que tinha feito para nós, pois já estávamos bem mocinhas e já tínhamos uma coleção delas. Falou que nestas, ela caprichou como nunca, que eram as mais perfeitas possíveis, que as guardássemos de lembrança para nunca esquecer da vovó.
Naquela época, estávamos na fase de brincar de cemitério, de fazer um entêrro, imitando padre ou pastor, fazer covas, enterrar objetos simbolizando pessoas, depois fazer pequenas coroas de flores e levar todos os dias, nas sepulturas do nosso cemitério de brinquedo. Este cemitério, ficava num campo bem longe de casa, nas terras de propriedade de nosso vizinho, onde havia uma pequena colina e uma figueira. Nossos pais nunca iam lá.
Resolvemos enterrar estas bonecas. Preparamos um esquife para cada uma, feito de caixote, forrado com papel. Preparamos buquês e coroas de flores e fomos lá enterrá-las com uma bela cerimônia. Havíamos aprendido a fazer coroas com nossa avó, que sempre quando falecia algum amigo ou parente, fazia ela mesma, lindas coroas. As nossas fazíamos no modo miniatura.
Todos os dias, por um bom tempo, voltávamos lá para levar novas flores ou simplesmente visitar nossos "mortos".
Nossa mãe, como não viu mais as bonecas, começou a perguntar por elas.
Lá em nossa casa, tínhamos um sótão muito grande e num canto dele, era nosso local de brincar, onde estavam  nossos brinquedos, onde nos divertíamos em dias de chuva.  Dizíamos para a mãe que as bonecas estavam lá no sótão, pois sabíamos que era muito raro a mãe ir lá.
O tempo foi passando  e ela cada vez nos questionando mais pelas bonecas, já que não nos via com elas.
Um dia, querendo mostrá-las para alguma visita, ela pediu para que as buscássemos no sótão. Então tivemos que mentir, dizendo que já a tempo não as encontrávamos mais. Ela empreendeu uma busca por toda casa, pelos galpões, estrebarias, por toda parte. Perguntou para os vizinhos, cujas filhas brincavam conosco, se elas não as haviam levado. As vizinhas, nossas duas amigas, eram nossas cúmplices na brincadeira, sabiam que não podiam contar nada a ninguém.
Havia algumas pessoas que moravam em propriedades vizinhas, atrás das terras de nosso pai, e para encurtar caminho para chegar na vila, atalhavam por nossas terras, passando bem ao lado de nossa casa. Então nossa mãe também perguntou para estes, se por acaso os filhos deles não teriam levado nossas bonecas. Ela disse que daria outras bonecas em troca, pois estas eram de extrema importância para nós e para nossa avó.
Mas, tudo em vão! As bonecas nunca mais apareceram. E nós, sabíamos bem porquê!
Passados alguns anos, minha irmã e eu resolvemos desenterrá-las. Tarde demais! Elas já estavam podres e resolvemos deixar assim mesmo e nada contar.
Nossa avó nunca soube  desta nossa arte. Sempre que ela vinha lá em casa e perguntava pelas bonecas, nós inventávamos uma desculpa, desta vez com ordem de nossa mãe, para que ela não soubesse que nossas lindas bonecas haviam desaparecido.
Depois de muitos anos, já casadas, minha irmã resolveu um dia, contar a verdadeira história para nossos pais.
Nossa mãe ficou tão brava e incomodada, que quase ainda nos aplicou uma surra. Ela pediu para continuarmos com este segredo, para que a vovó não ficasse sabendo disso.
E ela nunca soube desta história!



segunda-feira, 20 de maio de 2013

Os belos cravos

Quando nosso pai  era verdureiro, ele também vendia flores. Ía toda semana  na chácara de um japonês, que possuía uma maravilhosa plantação de cravos. Adorávamos ir junto, quando ele ia lá comprar os lindos cravos vermelhos e brancos. 
O senhor japonês, vendo nossa paixão pelas flores, foi lá em casa, levou algumas mudas e ensinou para nós meninas, como cultivá-las, explicando todos os cuidados. 
Fizemos um belo canteiro e conseguimos colher nossos cravos, às vezes ajuntando até três dúzias de flores por semana . Meu pai as levava para vender  e depois nos dava o dinheiro da venda. 
Ficamos muito orgulhosas com nosso primeiro negócio.

Até hoje, os cravos são as flores que mais aprecio.

O monstro verde

Quando era verdureiro, na véspera de Natal, meu pai fazia uma viagem especial, para vender pinheiros de Natal, colhidos em nossa chácara e nas propriedades vizinhas.
Ao anoitecer do dia anterior, eles eram colhidos e arrumados dentro, em cima e por todos os lados, da caminhonete.
Ficava sem pinheiro, só o espaço do motorista e uma parte da frente do carro para que ele pudesse enxergar o caminho. Era tanto piheiro amontoado, que o carro desaparecia por completo , mais parecendo um monstro verde se deslocando pela estrada.
Esta atividade extra deixava a todos muito alegres. Íamos dormir tarde aquela noite, curiosas para ver como ficava o carro todo lotado de pinheirinhos. 
Muito cedo da madrugada,  o pai já se deslocava para São Leopoldo, pois precisava descarregar todos os pinheiros  e espalhar pela calçada da praça, em ordem de tamanho.
Lá eles eram todos vendidos bem depressa, pois todos queriam levá-los para casa e logo colocar na água, antes que o sol os murchasse muito. 
Na metade da manhã ele já estava devolta, deixando alegres muitos lares e crianças com um pinheiro de Natal. 

Este era o carro, que desaparecia completamente depois que eram carregados os pinheiros.
E abaixo, os pinheiros que ele vendia. 








Minha primeira menstruação

Treze anos. Um dos dias mais quentes de janeiro. Domingo à tarde.
Tínhamos visitas: meus avós paternos, uma irmã da vovó materna e um tio e família. 
 No meio da tarde, papai fatiou duas enormes melancias e todos se puseram a saboreá-las, ao redor de uma  grande mesa. 
A melancia por ser uma fruta de pura água, antes de terminar de comê-la, já atravessou o corpo e chegou à bexiga. Então é preciso ir correndo ao banheiro fazer xixi.
Foi assim que aconteceu. Foi quando, naquela tarde, eu vi algo novo e estranho: minha primeira menstruação!
Eu ainda não sabia quase nada à respeito. Apenas que minha mãe já havia costurado uns "paninhos", que em breve eu iria precisar, como todas as meninas da minha idade, quando ficavam "doentes".
Depois do susto, pela surpresa, veio  a dúvida: será que faz mal eu voltar e terminar de comer meu pedaço de melancia? Como vou falar pra minha mãe se ela está rodeada de visitas? Não sabendo o que fazer, fui ficando no banheiro.
Passou-se um tempo e ficaram preocupados com o meu sumiço. Eu mesma ouvia eles perguntar por mim.
Então minha mãe, desconfiando que eu tivesse ido ao banheiro, foi até lá para ver o porquê da demora. Foi então que lhe contei, toda apavorada. 
Pensando que ela iria me buscar os tais "paninhos" e me trazer discretamente, fiquei muito envergonhada, quando a ouvi dar gargalhadas e sair apressada a contar para todos. 
Foi um auê geral. Ao chegar devolta à varanda, todos me abraçaram e felicitaram e eu fui ficando cada vez mais encabulada.
Minha avó materna foi a única que  não riu. Ela, ao contrário, ficou muito séria. Logo me pegou pelo braço e disse: "Du Liebe Gott, Kindche"  (Meu Deus, criancinha) - Vem, vamos logo colocar um casaquinho e meias nos pés. Agora que ficaste "doente" tens que te cuidar bem. 
Não me deixou mais sair do quarto e eu acabei me "sentindo" doente , mesmo não sentindo absolutamente nada! Tive que ir cedo para cama.
Por alguns dias, só pude lavar os pés com água quentinha e nada de banho, apesar do desconforto de ter que usar uns paninhos, que, de tão novinhos, me deixavam assada...

O rompimento das taipas

No menor dos açudes que meu pai construiu, ao redor de uma vertente de água, criávamos peixes, da espécie "carpa". 
Lá ficavam apenas dois ou três casais, que procriavam e cujos peixinhos nós mudávamos para um açude maior, onde eles cresciam, para serem vendidos na Semana Santa.
As carpas mais velhas se tornaram tão amigas e mansinhas, que vinham comer de nossas mãos e  se deixavam acariciar. Elas tinham nomes e atendiam quando as chamávamos. 
Num domingo, daqueles quando saíamos em uma de nossas "viagens", ao voltar, deparamos com este  açude vazio, por causa de um valo cavado na taipa, e nossas queridas carpas desaparecidas, certamente já saboreadas naquele dia.
Outra vez, aconteceu que numa grande enchente, a taipa do maior açude se rompeu e por ele fugiram todos os peixes. Algumas pessoas até  conseguiram fisgar alguns, que viram nadando nos potreiros, cobertos de água. 
Meu pai teve muito trabalho para juntar aterro e consertar novamente a taipa, inclusive o muro que tinha na parte de dentro do açude, que havia se rompido. 
Também novas árvores foram  replantadas, no lugar dos enormes "salseiros", que a força da água carregou. 
foto nossa

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Na casa da tia Rita

 Nas férias, muitas vezes depois de passar a manhã ajudando o pai nas vendas das verduras, depois do meio-dia, quando ele estava pronto, me levava na casa da tia, irmã de nossa  mãe, para ficar lá por uns dias, em São Leopoldo. 
Eu gostava muito. Eles ainda não tinham filhos e a casa era um brilho só. Eles gostavam de ter tudo muito limpo e brilhoso.
Meu tio tinha uma oficina, onde ele sempre fazia alguma coisa, algum banquinho, ou mesinha, ou coisas assim.As ferramentas estavam sempre todas bem arrumadinhas, cada uma no seu lugar, desenhado na parede. Ele era muito caprichoso.
A tia, tinha uma hortinha e todo lixo orgânico ela jogava num buraco que, quando estava cheio, ela cobria com terra e então plantava legumes ou hortaliças que ficavam muito fortes por causa do adubo orgânico. Ela também pintava quadros com tintas à óleo e fazia esculturas com madeiras ou barro.  É uma pena que quase não temos obras dela para lembrar. 
Lembro de  ocasiões, que fomos à noite, na semana do Natal, para  São Leopoldo, para ver as vitrines das lojas. Minha tia era autora de muitas destas belas vitrines. Ela fazia todas as peças de presépio em barro e os pintava muito bem. Depois montava pinheiros de Natal e embaixo montava  estes presépios. Cada vitrine de modo diferente. Não se sabia dizer qual estava a mais bonita. 
Na casa destes tios também acontecia algo estremamente curioso para mim:  Certo dia, eu estava tranquilamente sentada na latrina, lendo um livrinho e apareceu o "cubeiro".  São Leopoldo, já era uma cidade bastante grande, mas como não existia uma rede de esgotos em toda cidade, lá na casa deles, vinha o  cubeiro, que  era um empregado da prefeitura  que passava na rua, levando cubos cilíndricos de madeira, transportados em caminhões ou carroças.  Estes cubos eram colocados nas latrinas. Em dias específicos, eram trocados,  pelo cubeiro, por cubos limpos. Então o moço bateu na porta e disse para eu terminar logo meu "serviço", que ele não podia esperar. Lembro-me que ficou parado na porta, eu ainda era criança, mas não quiz me apressar. Eu disse pra ele ir embora , voltar depois. Mas apareceu minha tia e disse que eu tinha que sair, pois ele não podia voltar.
 O conteúdo dos cubos  não sei para onde levavam. Esse serviço era uma imundície, pois as vezes os cubos transbordavam e ele se sujava e fedia e ainda derramava pelo caminho.


fotos ilustrativas

O Verdureiro

Depois que se acabaram as plantações de arroz e não teve mais este serviço, meu pai passou a plantar legumes e verduras que,  na terça-feira e no sábado, ele levava embora, para vender.
Na véspera deste dia, tudo era colhido, lavado, preparado e acomodado no carro, de forma bem organizada e levado até São Leopoldo, onde na praça do Imigrante, ele tinha sua parada de vendas.
Nós crianças, também muito ajudávamos neste trabalho. Ficava sempre a nosso cargo, limpar o tempero verde e amarrar em feixinhos. Também tínhamos que colher os moranguinhos, as vagens e ervilhas. Subir nas árvores, colher bergamotas, laranjas, limões ameixas e goiabas. Tudo fazíamos sempre, com muito entusiasmo.
À noite, nossa mãe preparava o requeijão, que era colocado em latas ou recipientes que as freguesas já haviam mandado na vez anterior. Ela misturava com as mãos,  o requeijão com nata, em uma vasilha bem grande. Depois tudo era pesado e ía para a geladeira e o pai só carregava de manhã, antes de sair.
Também fazía-se muita "schmier" de frutas, tais como: de goiabas, laranjas e peras, e tudo era vendido também.
O carro sempre ía super lotado, pois além de levar verduras, frutas, flores de nosso pomar, também levava produtos comprados de outros vizinhos.
Voltava de São Leopoldo à tarde, depois de vender tudo. 
À noite, ele sentava à mesa, contava o dinheiro conseguido e fazia seus cálculos. Às vezes se sentia triste, pois depois de tanto trabalho, o ganho era pouco. 
No outro dia, logo demanhã, a mãe lavava todas as latinhas, que voltavam vazias, e às vezes, ainda sujas do requeijão vendido. Colocava todas para secar ao sol, para não ficar nenhum cheiro.
Em nossas férias escolares, muitas vezes podíamos ir junto com nosso pai. Uma vez  eu, outra vez minha irmã ía junto.  Quase não conseguíamos dormir, de tão ansiosas para este dia. Às vezes ajudávamos as freguesas a levar suas compras até suas casas e ainda ganhavamos algum doce. 
Também, nestas ocasiões, nosso pai nos levava para comprar alguma roupa ou calçado nas lojas das freguesas dele. A maior alegria, para mim, era quando ele parava na livraria "|Rotermund" e lá comprava algum livrinho de estórias. Desde criança, eu gostava muito de ler.



Este não era o carro do pai, mas ele ía lotado, quase como este.










Este era o carro do pai
No canto esquerdo, antes da porta, ele colocava uma caixa, presa, onde levava galinhas ou galos vivos para vender para as freguesas. Lá na praça, no local da venda eles ficavam cantando as vezes. 
 





quinta-feira, 16 de maio de 2013

Minha primeira bicicleta

Meu pai tinha uma bicicleta, que também já fora do pai dele. Era muito forte, muito pesada. Já a muito tempo, não são mais fabricadas bicicletas assim. 
Para facilitar nossa ida à escola, quando já tínha dez ou onze anos, papai resolveu mandar transformar sua bicicleta, para um modelo feminino, isto é, cano baixo e  dá-la para mim. 
Foi uma alegria!
Primeiro, tive que aprender a andar nela, o que foi até bem rápido. 
Depois, logo tive que aprender a levar minha irmã na garupa, pois ela não tinha bicicleta. Nosso trajeto até a escola era longo, eu me cansava muito. 
Na estrada, tinha trechos com areia funda, era difícil passar. Mesmo assim, minha irmã não queria desembarcar, e muitas vezes eu, de raiva, pulava da bicicleta e deixava as duas cair.
Perto da escola, nós a deixávamos na casa de uma  amiga da mãe, uma senhora viúva,  porque alguns colegas da escola, sempre nos murchavam os pneus e era muito pesado, conseguir encher um pneu daqueles.
Mais tarde minha irmã ganhou sua própria bicicleta, uma novinha, e eu, não precisava mais carregá-la.
foto nossa

As enchentes

Quando chovia muitos dias, o arroio, que ficava a uns trezentos metros de casa, transbordava, trazendo a água às vezes até o pátio de nossa casa. 
Para irmos à escola, nosso pai nos levava de carreta de bois e mais tarde de carro, até passar a parte da água. Dali em diante íamos à pé. 
Nós crianças, achávamos isto muito legal, até gostávamos quando dava enchente, embora às vezes a correnteza era tão forte, que quase levava o carro para a cerca,  e aí ficávamos com medo de ele cair no arroio, que ficava ao lado da rua.
Quando surgiu a televisão, meu tio, irmão do pai, foi um dos primeiros a ter um aparelho em casa. Então passamos a ir todas as noites até a casa dele, para assistir filmes ou novelas. A sala dele ficava cheia de curiosos, encantados com o cinema em casa. Isto foi tão fascinante, até para nossos pais, que nem as enchentes, os impediram de ir até a casa dele, para assistir a novela "O Direito de Nascer". 
foto nossa

Primeiras viagens à praia

Depois que papai comprou o carro, uma "modela A" modificada, paramos de fazer passeios à pé, nas redondezas, e iniciamos as nossas viagens domingueiras de carro. 
No sábado a mãe preparava o lanche e no domingo, bem cedinho,  quatro ou cinco horas da manhã, depois que tinham tratado os animais e ordenhado as vacas, saíamos a viajar. 
Cada domingo era escolhido outro roteiro. Visitávamos todas as direções ao redor de Estância Velha, sempre uma distância que dava para ir, e estar de volta, até a noite.
Foi assim que conheci Nova Petrópolis, Gramado, Canela, Bom Jesus, São Francisco de Paula, Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Estrêla, Lageado, Teutônia, Santa Cruz do Sul, Guaíba, Porto Alegre e o litoral.
Depois de conhecer a praia, principalmente Tramandaí, nossas viagens, passaram a ser só mais, para lá. 
Nossos "maiôs", era mamãe quem costurava. Mas já estavamos acostumados a usá-los, pois tomávamos muito banho nos nossos açudes. 
Sentia-me eufórica, a semana inteira, quando ficava sabendo que o destino do próximo domingo seria a praia. 
Saíamos as quatro  horas da madrugada, já vestidas com nossos trajes de banho, por baixo da roupa de viagem. O trajeto era longo, só chegávamos pelas oito horas. 
Além do pai e da mãe, sempre nos acompanhava a vó materna e algumas vezes os avós paternos ou nossos vizinhos ou nossos tios.
Na metade do caminho, em Glorinha, debaixo de uma linda figueira, parávamos para tomar um lanche, o nosso café da manhã, que a mãe já levava preparado de casa. 
Depois parávamos novamente, um pouco além de Osório, a mais ou menos quinze quilometros do mar, onde tinha um pequeno mato à direita. Lá fazíamos nossas necessidades e nossos pais vestiam os trajes de banho, pois já sentíamos o cheiro do mar e nossos lábios já estavam salgados. Hoje em dia, mesmo residindo bem próximo do mar, não sinto mais este cheiro e este sabor em meus lábios.
Daquele local em diante, se avistavam os comoros de areia, que simplesmente nos fascinavam.
Estávamos chegando à praia! Que alegria! Este imenso mar, às vezes com ondas muito turbulentas.
Mais que depressa tirávamos nossas roupas de cima e corríamos para pular nas ondas. No início tínhamos medo delas, mas depois era só brincadeira. 
Muitas vezes, não dava para chegar próximo do mar com o carro, havia muita areia fofa. Existiam caminhos de palha ou de sarrafos para os carros passarem, mas às vezes não adiantava, e muitos carros ficavam atolados. 
Por volta do meio-dia, saíamos do banho, nos enroláva-mos em toalhas, para não molhar os bancos do carro, e saíamos a procurar um local com sombra, onde pudéssemos nos  acomodar para comer nosso almoço.
Depois do almoço, visitava-mos o Rio Tramandaí, onde sempre havia barcas, carregadas de abacaxi e bananas. O pai logo comprava abacaxis e ali mesmo os saboreáva-mos e também comprava em saco, para levar para casa. Lembro de abacaxis bem pequeninhos, que podíamos comer um inteiro sozinhas. Eram gostosos demais!
Algumas vezes, atravessávamos o Rio Tramandaí pela ponte e íamos para o lado de Imbé. Logo ao lado da ponte, tinha sempre alguns barcos bem grandes, emborcados em cima de cavaletes. Aí ficávamos ali em baixo, na sombra, comendo nosso almoço. Às vezes até subíamos nestes barcos.
À tarde, voltávamos novamente até a praia e tomávamos mais um banho demorado.  Quando chegava quatro horas da tarde, ficávamos tristes, pois era hora de voltar para casa. Íamos até o mesmo matinho, enrolados nas toalhas e lá trocávamos nossos trajes de banho pelas  roupas secas.
Antes de ficar noite escura já  estávamos de volta em casa e então meus pais ainda tinham que tratar o bicharedo e ordenhar as vacas. 
Nós crianças, após uma leve janta preparada pela avó, caíamos exaustas na cama, sonhando com o maravilhoso dia!
Houve algumas ocasiões, umas duas ou três vezes, que nós , juntamente com os tios, fomos para a praia já no sábado e pernoitamos em barraca de lona, montada junto ao Rio Tramandaí, no lado de Imbé. Lembro que à noite, nossos tios e pai,  íam com lanternas, caminhando na parte rasa da lagoa, fisgar linguados. Sempre conseguiam alguns belos exemplares.
Acredito que o amor pela praia, que já tínhamos naquela época, contribuiu, para que, muitos anos depois, viéssemos morar no litoral, primeiro meus pais, depois eu e família, depois minha irmã e filha.
 






 Em Caxias do Sul , com a vó Olinda









 Em São Francisco de Paula, no Lago Negro








  
No Rio Guaíba, Praia Vila Elsa, com vó Olinda e tio Oldemar e Rita e primo Ney

Eu em Imbé, ao lado da ponte, em cima de uma barca que estava emborcada sobre cavaletes.


         

 Nosso carro na praia



 Nós, pulando as ondas, com nossos maiôs, costurados pela mãe.
 

Fazendo cartuchos

No tempo em que nosso pai tinha armazém, tínhamos uma tarefa que gostávamos muito. 
De vez em quando, junto com a vovó, fazíamos cartuchos de papel, pois naquela época ainda não existiam as embalagens, como hoje. A maioria dos alimentos, vinha a granel e tinha que ser ensacado e pesado na hora de vender. 
Comprava-se as réstias de papel branco, o chamado "papel de pão". Este era dobrado e colado, transformando-se em cartuchos. 
A cola era preparada em casa, com polvilho doce e água fervente. 
Cada uma de nós, vovó, minha irmã e eu, fazíamos uma parte. Eu adorava fazer a última parte da colagem do cartucho, para depois pegá-lo e sacudi-lo com força, emitindo um forte som, para que ele se abrisse e assim secasse depressa. Assim ficavam as montanhas de cartuchos, até outro dia, no canto da sala, para secar. 




As gostosas linguiças

Como em toda propriedade rural, lá em casa também tínhamos porcos. Serviam para nosso gasto e algumas vezes também era vendido algum, se este já estava no ponto de carnear e nós ainda não precisávamos da carne dele.
Duas ou três vezes por ano, meus pais, auxiliados pelos vizinhos, carneavam um porco e às vezes também um novilho, para fazer linguiças e charques e para obter a banha consumida em todas as cozinhas de antigamente. 
Eu gostava de olhar este serviço, mas só chegava perto, quando o bichano já estava morto e limpo, pois eu tinha muito pavor de vê-lo sendo abatido. Se não estivesse na escola naquela hora, eu me refugiava na casa dos vizinhos, até que tudo estivesse calmo. 
A última tarefa, era a fabricação das linguiças e aí eu gostava de ajudar, tocando a manivela da máquina que enchia as tripas, com a carne moída e temperada. 
Depois, as linguiças eram penduradas numa casinha bem fechada, o "defumeiro", onde permaneciam por alguns dias, para receber fumaça e secar.
Depois de prontas, sempre era festa à mesa, quando o pai cortava a linguiça e distribuía pedaços para nós, o mesmo acontecendo com os gostosos charques, que se fatiava bem fininho e se comia acompanhado do pão caseiro, coberto com manteiga e açúcar, ou com "schimier" de frutas, cozidas pela mãe ou avó, ou ainda com requeijão, fabricado do leite das vacas.

Um aniversário desastrado

Na escola, tínhamos muitas amigas. Quase todas moravam no centro da vila, hoje centro da cidade de Estância Velha.
Nossas colegas todas, esperavam ansiosas o dia de nossos aniversários, pois assim poderiam ir lá em casa, um  lugar que todas adoravam: para poder trepar em árvores; correr no campo; jogar caçador usando "tortas" de vaca secos, em vez de bola; esquiar numa pequena colina, sentadas em cascas de cachos de coqueiros; pescar; correr atrás das galinhas, etc...
Numa destas vezes, uma colega, como as outras, veio toda bonita, de vestido branquinho, sapatos e meias branquinhas, especial para uma festa. Porém, voltou para casa bem diferente, com roupas  e sapatos mais simples, emprestados.
Aconteceu que, fomos brincar de esconder, e ela, não conhecendo, correu por cima do monte de esterco que havia atrás da estrebaria, afundando até as coxas. 
Muitos anos mais tarde, algumas mães nos falaram que sempre ficavam arrepiadas, quando as filhas voltavam da escola muito alegres por terem recebido convite para nossos aniversários.
Porém, nunca deixaram de comparecer e sei que muitas delas, lembram-se até hoje com muita alegria, das maravilhosas tardes que passavam lá em casa.
Nós, prontas para ir no aniversário de alguma colega.
Vestidos de lã e por cima colete bordô. 

Bagunça

Bagunça era o nome do nosso cachorrinho. Um vira-latas pequeninho, marronzinho e peludo. Recebeu este nome, pois era muito bagunceiro quando filhote.
Ela era nosso companheiro de todas as horas, de todas as brincadeiras. Onde íamos ele nos acompanhava. Era muito obediente e desde novinho, aprendeu a cuidar para que o gado não saísse do potreiro. 
Ao meio-dia, abria-se a cancela do potreiro e deixava-se sair as vacas, para ordenhá-las. Depois delas saírem, o bagunça tinha a missão de cuidar para que o resto do gado, novilhos e terneiros, não saíssem também. E ele ficava, o tempo que fosse preciso, sentado no espaço da cancela, impedindo a passagem do gado. 
Depois das vacas ordenhadas, elas voltavam ao potreiro e aí se fechava a cancela. Aí Bagunça saía de seu posto todo orgulhoso de sua tarefa cumprida.
Nós meninas, às vezes o incomodávamos: íamos lá, em qualquer hora, abrir a cancela, e ele, prontamente, ocupava seu lugar impedindo que o gado saísse. Então corríamos embora, e ele via, e ficava louco para nos acompanhar. Então se punha a chorar, porque não queria abandonar seu posto de guarda, mas também queria correr junto conosco.
Isto só terminava, quando o pai ou a mãe percebiam o que estava acontecendo e íam lá fechar a cancela. E nós, gurias, depois levávamos uns bons "xingões" por tapear o coitado do Bagunça. 

Não temos foto, mas ele era parecido com este, mas mais baixinho

Pescando uma gata

Sempre tivemos muitos gatos, pois nossa mãe gostava muito deles e muitas vezes adotava os bichinhos que eram largados perto de casa. 
Gostávamos muito de pescar, e o fazíamos quase que diariamente, primeiro, por prazer e segundo, para dar peixinhos aos nossos gatos, que adoravam este petisco. 
Todos os gatos ficavam muito atentos  ao nosso redor, cada um querendo ser o primeiro a receber o prêmio, isto é, o peixinho, um lambari.
Em geral, usávamos como anzol, um alfinete dobrado, para não haver perigo de nos fisgarmos. Porém, quando o peixinho puxava, ao arremessá-lo para fora, ele logo caía do anzol e assim sempre parava na boca da gata "Miti", a mais veloz, que saltava e o apanhava ainda no ar. Por isso os outros gatos sempre eram logrados, pois quase não sobrava peixinhos para eles.
Um dia resolvemos trocar nossos anzóis de alfinete, por anzóis verdadeiros, aqueles com fisga, para que o peixinho não caísse mais do anzol e nós pudéssemos  dar  aos outros  gatos também.
Mas, no primeiro peixe pescado, a gata, como sempre, pulou e o pegou no ar, devorando-o com o anzol, que ficou encravado na língua dela.                                                        Foto ilustrativa

Aí eu tinha uma gata no meu caniço! Foi um tremendo alvoroço: eu não soltava o meu caniço e a gata presa nele, puxando e gritando como doida. Os outros gatos todos, também começaram a gritar, querendo avançar em mim para defender a matriarca deles.                                            
Tudo só terminou, quando chegou meu pai e jogou um pano em cima dela, para poder agarrá-la e tirar o anzol.
O resultado foi uma gata com a língua rasgada e nós proibidas de usar anzóis verdadeiros, somente os feitos de alfinetes dobrados. 


A mãe distribuindo peixinhos para nossos gatos. 

terça-feira, 14 de maio de 2013

As árvores de minha vida

Tínhamos em nossa propriedade, todas as espécies de árvores frutíferas.
Minha irmã e eu tínhamos escolhido nossas prediletas, que se tornaram propriedade particular, onde nenhuma podia comer ou escalar na árvore da outra, sem permissão.
Eu tinha uma ameixeira (ameixa amarela) de estimação. Havia diversas, mas eu só comia as frutas desta e passava o tempo livre trepado nela. Lá eu fazia minhas lições de casa, lá eu estudava, cantava e na época das ameixas, comia mais do que os passarinhos. 
Acho que minhas notas sempre foram muito boas na escola, porque eu estudava no meio da natureza, em cima das árvores.
Eu tinha também uma goiabeira de estimação, que ficava mais distante de casa. Lá eu cantava bem alto, declamava versos, fazia teatro para platéias imaginárias, me imaginava a mais linda e famosa artista do mundo. Esta goiabeira tinha galhos fortes, onde eu me balançava, fazia saltos, imaginando um trapézio de circo. Muitas vezes também caía, mas isto fazia parte. 
Lembro-me também das amoreiras, onde trepávamos todas, minha irmã, eu e nossas duas amigas vizinhas, da mesma idade que nós. 
Do pé de cabiroba, um dia eu caí, bem do alto, direto dentro d'água, pois ele estava plantado bem no barranco do arroio.
O maior susto que levei numa árvore, foi quando um dia subi depressa  e quando cheguei ao topo, vi uma cobra enrolada num galho, me olhando. Então, acho que Deus me deu asas, pois só posso ter voado, de tão rápida que voltei ao chão.  Hoje eu sei que foi uma cobra cipó, que costumam subir em árvores para espreitar passarinhos. Depois disto, antes de subir em árvores, primeiro eu examinava, se não havia cobras.
Certo dia, as quatro amigas, resolveram fazer um concurso de quem conseguisse subir na árvore mais alta. Fomos para as terras de nosso vizinho, pai de nossas amigas, pois lá tinha um mato com enormes eucaliptos. Eu devia ter uns onze ou doze anos de idade e sabia mais  do que as outras, a escalar um poste liso, tal qual um macaquinho. Por isto escolhi o eucalipto mais alto e, realmente, o consegui escalar com facilidade. A visão de lá era linda, eu via os açudes e enxergava muito longe. Devido a grande altura, comecei a sentir medo e perdi a coragem de descer da árvore.
As outras meninas se deram por vencidas e desistiram da brincadeira. Começaram a pedir para que  eu descesse e fôssemos embora, brincar de outra coisa. 
Mas eu, realmente não sabia como descer. Elas cansaram de me esperar e foram embora. Aí memo que o meu medo aumentou e se transformou em pavor. Eu ficava imaginando nunca mais conseguir descer e as gurias não falar em casa onde eu estava. Passou-se um bom tempo e começou a anoitecer e eu procurando encontrar coragem  e um modo de descer do eucalipto. Até alguns passarinhos já vinham saltar nos galhos perto de mim, com certeza para me espantar ou passar a noite. 
Acho que foram  eles, com seu piado e o  nervosismo, que me incentivaram a pular daquela altura. Não sei até hoje, como não me quebrei toda. Só podem ter sido os passarinhos que me emprestaram suas asas! 
A única vez que me machuquei de verdade, foi quando pulei da árvore de cáqui de chocolate, que ficava bem encostada de nossa casa. Dela,  podia-se passar para o telhado com facilidade, ou vice-versa. Quando brincáva-mos de esconder, ela servia de caminho para entrar ou sair pelas janelas do sótão. Com a pressa de quem está brincando de esconder, eu pulei da árvore, em cima de um pedaço de madeira que tinha um prego, que entrou no meu pé.
Ah... isto foi terrível, pior porque tinha receio de contar para a mãe, pois poderia, ainda por cima, levar uma surra, já que era muito arteira. 
Mas a vovó, uma verdadeira vó de açúcar, me cuidou, fez banhos de água quente com sabão e compressas caseiras por muitos dias  e nem falou pra mãe da gravidade do caso.
Graças aos conhecimentos e cuidados dela, a ferida não infeccionou e logo eu já estava empoleirada nas árvores denovo.
Hoje eu tenho certeza, de que a metade de minha infância eu passei em cima das árvores. 





Arrancando penas

Sempre tínhamos marrecos, aqueles bem branquinhos como a neve, que embelezavam os açudes, quando lá nadavam. Eles também produziam ovos e penas.
Os marrecos eram lindos, ainda mais quando tinham filhotes, que nadavam em fila indiana, atrás de suas mães.
Uma vez por ano era feita a colheita das penas, que, quando não precisavam, meus pais vendiam, pois sempre havia senhoras esperando por esta encomenda, para fazer travesseiros e cobertas. 
Minha irmã e eu, depois de muito observar, passamos a ajudar nesta tarefa. 
Pegava-se o marreco e o deitava de costas no colo, segurando com uma das mãos as duas pernas e apertando a cabeça debaixo do braço. Com a outra mão, se juntava um punhado de penas e as arrancava. Sabíamos o lugar  onde se podia retirar as penas.  Nunca podia ser com força e nem tirar penas demais.
Às vezes, os marrecos nos bicavam, com seu bico enorme e forte. Então também ficávamos bravas e arrancávamos suas penas com força ou quase as deixávamos peladas, quando nossos pais ou avó não estavam por perto. 
Certa vez, eu peguei um marreco e arranquei todas as penas dele, deixei ele peladinho. Quis ver como é que ele ficava.
Coitadinho! Foi para o açude e quase se afogou. Pulei atrás e o peguei e prendi no galinheiro. Quando minha mãe descobriu, levei uma advertência e uma boa surra.

Páscoa

Próximo da Páscoa, havia muito serviço lá em casa, com a função de esvaziar açudes, para juntar e vender os peixes. 
Escolhia-se também uma tarde, em que  íamos, geralmente junto com a avó, até a propriedade de uns vizinhos, onde havia um mato, para colher barba-de-páu. Eram os vizinhos mais próximos de casa, mas mesmo assim tínhamos que caminhar uma meia hora, atravessando potreiros.
Primeiro chegávamos até a casa destes vizinhos, onde antes ainda os adultos tomavam chimarrão e nós comíamos docinhos de mel ou polvilho, que aquela senhora costumava fazer e oferecer, que eram deliciosos. 
Depois, com a permissão recebida, íamos colher um saco de barba-de-páu, que usávamos para colocar em nossos ninhos de Páscoa.
A noite deixávamos estes ninhos ao lado de nossas camas e pela manhã, muitas vezes, já tinha algum ovinho ou doce, mesmo antes do dia de Páscoa. 
No domingo de Páscoa, acordávamos bem cedinho, mas dificilmente encontrávamos nossos ninhos aos pés da cama. Então empreendíamos uma busca, pela casa, ao redor da casa, que às vezes demorava tanto, que me desesperava e quase me fazia desistir de procurar. Encontrávamos papel ou paninhos manchados de tintas coloridas e nos falavam que, certamente foi o coelho da Páscoa que havia limpado seu popô. Mas estes, às vezes nos indicavam o caminho para encontrar os ninhos.
Ao acharmos nossos ninhos, a satisfação era enorme, e não nos cansávamos de tanto examinar e contar nossos chocolates e ovinhos. 
 
Havia ovos de galinha cozidos e pintados, ovos de chocolate com licor por dentro, ovos de açúcar e os belos coelhos de chocolate. Muitos coelhos vinham em dupla, um de frente para o outro e entre eles um ninho cheinho de ovinhos de açúcar coloridos.
Tudo estava embalado em papel celofane trensparente. 
Meus filhos nunca chegaram a conhecer estas lindas obras de chocolate, porque hoje em dia ninguém mais fabrica.

A coleta dos peixes

Tínhamos em nossa propriedade, diversos açudes, onde se criavam peixes.
Todos estes açudes foi meu pai que construiu, usando pá e carrinho de mão, exceto o maior deles, que ele teve ajudantes e usou carreta de bois para retirar a terra.
Este açude maior, mais tarde, passou a ser ponto turístico da cidade,   pois meu pai o transformou em balneário, onde no verão, vinham centenas de pessoas se banhar.
Por ocasião da época de Páscoa, alguns destes açudes eram esvaziados, para a retirada de peixes, que eram vendidos,  para serem consumidos na Sexta-feira Santa.
Quando o açude estava quase seco, eram ajuntados os peixes e colocados em grandes gaiolas, imersas na represa que ficava encostada da casa, que chamávamos de valo do moinho, até serem vendidos. Este valo do moinho, de  água represada, quando era aberta uma comporta, ela passava por baixo da casa, fazendo girar uma roda d'água que tocava o moinho. 
Para nós, crianças, esta época da coleta de peixes, era esperada com muita ansiedade. Adorávamos ver a água saindo para o arroio e aos poucos aparecendo o fundo do açude. Isto levava mais ou menos dois dias. Ficávamos imensamente tristes se ele esvaziava  enquanto estavamos na escola, pois nunca podíamos faltar às aulas. Mas  nem prestávamos atenção à lição, ansiosas para chegar em casa, para ajudar a recolher os peixes. 
Quando já existia só mais uma poça d'água no açude,  todos iam para dentro dela, com redes e sacos para pegar os peixes, entre traíras, jundiás e carpas. Ficávamos todos enlameados, dos pés à cabeça, mas dominadas por euforia.
Na véspera do dia Santo, as pessoas vinham de toda a vizinhança, escolher e comprar peixe.
Depois, os açudes voltavam a ser enchidos e eram  novamente povoados com pequenos peixes que cresceriam até o ano seguinte.Tínhamos outros açudes pequenos, onde havia alguns casais de peixes grandes, de onde se retirava os alevinos para povoar os açudes grandes.